Desordem

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Parte 1 

Sempre achei completamente natural a figura proveniente de uma mistura entre cabeça e coração em suas formas metafóricas. Meu quarto é igualzinho a minha cabeça-coração. Uma zona. Quando fecho por muito tempo, sobe um cheiro estranho, mas quando deixo aberto por tempo demais, fica gelado. O chão já está coberto por camadas de coisas importantes e desimportantes que não sei mais diferenciar com clareza e embora finja que sei onde estão, as vezes desisto de umas por preguiça de procurar. A cama raramente sai de seu estado zoneado, como se alguém acabasse de levantar dela extremamente atrasado e com pressa, o que realmente acontece com certa frequência. Ela também está sem lençol, sem fronhas, com algumas coisas jogadas perto da cabeça, que funcionalmente é o pé. Nem a cômoda conseguiu se manter decente, o espelho tem sua frente coberta por tranqueiras até a metade, o gaveteiro semi aberto com coisas escapando dele, assim como acontece com as gavetas. Alguns livros lidos pela metade, alguns sapatos fora de uso, alguns pares de meias sujas, alguns conjuntos de problemas inventados. Ele está sem luz, o que não ajuda muito a manter a ordem. Embora tenha aceitado o caos como parte minha, fica difícil querer permanecer dentro de um cômodo tão caótico. É sufocante saber que isso é a materialização de quem eu sou.

Parte 2 

Hoje arrumei meu quarto. Ainda não achei exatamente uma definição pro efeito que isso teve sobre mim, mas sei que foram as três horas cansativas mais aliviantes dos últimos meses. A cama agora tem roupa, as gavetas já não mais explodem, o espelho é visível, os livros passaram a ser levados ocasionalmente na bolsa para que os leia, os sapatos foram todos guardados e as camadas de coisas, apesar de ainda existirem, agora tem uma real organização na qual não me perco. Sem mais roupas sujas, travesseiros manchados de maquiagem, papéis indefinidos jogados para todos os lados e tropeções nos obstáculos. Não há muita coisa que eu possa fazer em relação ao frio que ocasionalmente surge, mas não é como se estivesse fazendo qualquer tipo de calor em algum lugar por aí. Continuamos sem luz, é verdade, mas esse também é um problema que está além de meu controle e aprendi recentemente a não insistir nesse tipo, posso só aproveitar as escassas horas de luz do Sol e talvez aprender a não ter mais medo do escuro. Agora consigo efetivamente dizer, sem me sentir hipócrita, que gosto do meu quarto, do meu desarrumado, ninguém sabe mexer na minha confusão. É verdade, não mais uma mentira poética. Passei algumas várias horas dentro dele, em minha cama quente e aconchegante, nos últimos dias. É reconfortante saber que agora não preciso recorrer ao quarto dos meus pais, pois posso fugir para ele, o meu, e não fugir dele. Arrumei até mesmo as roupas de frio que ficam naquela prateleira quebrada. Li umas cartas antigas de amor, troquei a roupa de uma barbie e organizei por cor as roupas nas gavetas. Reconheço que isso não deve durar muito, nunca dura, mas é boa a sensação de conforto e acolhimento ao estar dentro de mim mesma, quer dizer, dentro do meu quarto, do meu espaço.

São Bernardo do Campo, 27 de Maio de 2016

Ei mocinho,
Faz frio lá fora. Poderíamos estar agora assistindo àquele filme abraçados debaixo das cobertas, como combinamos um dia. Ironicamente, acabei de assistir sim a um filme, debaixo das cobertas, mas com os pés gelados por estarem apoiados no chão e sem você, a parte da cena que realmente me importa. A parte mais dolorosa foi não poder te contar o que achei do filme. Não era o nosso, o combinado, mas era bonito, apesar de bobinho. Enquanto os créditos passavam pela tela, eu chorava e sorria, boba, com os dedos prontos para desbloquear o celular e te descrever o que sentia. Mas não podia. Ultimamente, inclusive, sinto que não posso muita coisa, não com você. Dói. Adquiri essa mania de ler coisas antigas, ver coisas antigas, pensar no que já foi... Fico perdida entre tantas memórias. Aparentemente acabei desistindo da situação presente, não sei mais como lidar, como resolver, como prosseguir. Então me vi presa ao que sinto, ao que passamos, porque isso não muda. Lembro que um dia ouvi alguém reclamar do calor e dizer que o frio chegaria. Escrevi um texto sobre nós dois e sobre como as coisas continuariam quentes, mesmo depois da chegada da frente fria. Ironicamente, errei. Alguma parte de mim gostaria de culpar essa espécie de efeito borboleta, dizendo que as coisas só estão assim agora porque esfriou naquele dia. Soa ridículo, eu sei, mas sou toda meio ridícula, você sabe. Já não sei mais nem o propósito do que escrevo, não é como se externar pensamentos desconexos fosse fazer alguma coisa melhorar. Falando em melhorar, andei trabalhando nisso. Não pude te contar detalhes sobre, afinal qualquer assunto vem sendo desconfortável e aparentemente inoportuno, mas estou melhor. Trabalhei naqueles problemas todos, resolvi alguns, outros arquivei, para serem resolvidos quando chegar a hora. Você provavelmente foi o único que continuou no limbo, sem solução e sem que eu consiga deixar de lado. Tentei, você viu, mas já quero integralmente que paremos com isso. Te deixar de lado, de onde exatamente tirei essa ideia?!? Que erro. Bom, acho que vou terminando agora, pra voltar a pensar em coisas que poderiam ter dado certo, que fariam dar certo agora, que são mais agradáveis e menos dolorosas do que o real momento de nós dois. Hoje faz quatro semana, inclusive, e não sei dizer se parecem quatro horas ou quatro anos, mas que poderiam só acabar, pra eu parar de sentir essa enorme... coisa. É, o dia dos namorados tá chegando, você me lembrou disso hoje, aparentemente sem propósito. Pensei nas formas que gostaria de passá-lo, mas lembrei que nunca nem chegamos a ser um casal de namorados. Provavelmente o passarei como vim passando esse feriado: com frio, assistindo romances e chorando enquanto vasculho o passado. Espero que não seja tão ruim quanto soa.
Sinto sua falta,
Até mais.
Obs.: seu silêncio me ensurdece

Desabafo

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Seus textos agora lotam minha tela. Já li, reli, mal sei se são realmente seus... Tento decifrar quais são ou não sobre nós, quais são mais sinceros, mais da alma. Prossigo confusa, assim como você também o parece fazer. É tão difícil interpretar, com essas suas palavras pela metade, argumentos ocultos, sentimentos ocultos, momentos ocultos. Já não me conta nada, já não sei o motivo de suas aflições, embora ache que nunca tenha chegado a realmente saber.
É muito difícil seguir em frente sem ter você para conversar, abraçar, admirar. Meu próprio inconsciente me sabota, sonho contigo, te sinto, te vejo, te tenho, mas logo acordo e já não é mais nada, volto ao estado de completa dúvida e solidão, completa falta de resolução.
Continuo sentindo sua falta. Todas as palavras não ditas, não lidas, não ouvidas, onde estão? Que falta fazem. Tanto quanto você faz. Falta. Fico folheando meus rascunhos em busca de algo que valha a pena ser dito, ser mostrado. Não encontro, é muito íntimo, muito meu. Não quero que saiba o quão fraca sou... Talvez essas palavras escondidas em minhas folhas de certa forma atenuem ou agravem a situação, pela forma como foram dispostas, mas elas são e sempre foram reais para mim.
Estou agora prosseguindo com os novos métodos, mas todos sabem que sou péssima com métodos, regras, rotinas, diferentemente de você. Muito em breve falharei. Se tem coisas que faço, são falhar e desistir. Mas não desisti de você. Será que falhei?