Digressões noturnas

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Sozinha me sinto meio mal.
Por ter tanto a dizer, mas não ter a quem falar.
Na verdade estar sozinha é estar na companhia de dois gatos que dormem em lugares e posições inusitadas e isso não é uma metáfora - mas pode ser, se você preferir.
Não há pudores, nem regras palpáveis, muito menos vergonha, apesar de as vezes rir com as tentativas de imaginar como certas cenas ficariam vistas em terceira pessoa.
Meu cabelo as vezes fica limpo e lindo e consigo senti-lo nas minhas costas e no meu peito, mas por mais que eu tente olhar pelo espelho, a imagem nunca condiz com a sensação.
Falo sobre estar sozinha literalmente, nada daqueles papos sentimentais/metafóricos/psicológicos, embora essas sensações negativas também apareçam vez ou outra.
Posso me coçar, espreguiçar, rir, cantar e até mesmo chorar.
Dá pra ouvir música ruim, música boa, música que te parte ao meio.
Sei que teoricamente assim nos conhecemos melhor, mas acho que não gosto muito de quem sou sozinha e muito menos sei se gosto de quem sou acompanhada. Se eu me visse andando na rua, o que será que pensaria de mim? E se eu me visse nua, sentada na janela olhando a lua, o que será que pensaria de mim?
No fim das contas só to escrevendo umas ideias soltas, mas isso representa muito bem quem eu sou sozinha, e a forma como funciono quase sempre.
Será que quem me conhece tem noção de pelo menos um pedacinho de quem sou sozinha? É que eu falo tanto, não sei se tenho algum segredo verdadeiramente guardado.
Fico pensando no tanto de coisa que poderia estar fazendo acompanhada, no tanto de tempo que to perdendo não fazendo histórias e ao mesmo tempo usando pra fazer outros tipos delas.
É meio paradoxal, acho que estou meio dividida.
Consegui adquirir certo controle sobre mim nas últimas horas, admito que foi reconfortante.
Fico procurando meu reflexo no vidro da janela, na tela escura do computador, pra ter certeza de que eu não fui embora.
Meu próprio balançar das pernas é meio irritante, fica lá atrapalhando minha visão periférica, a beirada do quadro.
Nunca vou entender direito o que se passa na minha cabeça, talvez por isso esteja reclamando tanto sobre estar sozinha. Sou meu maior dilema, minha maior questão, meu maior disconhecido. E juro que não sou egocêntrica, só to meio confusa. Não consigo me entender, nunca consegui.
Essa deveria ser a hora em que acontece o plot twist e eu falo sobre como estar sozinha é reconfortante e enriquecedor, ajudando com seu auto conhecimento e a paz interior, mas a verdade é que eu odeio ficar sozinha.

Cabana

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Ontem conheci tua cabana. Era quente, organizada, aconchegante. Não me lembro ao certo, mas acho que entrei sem bater. Por sorte você já estava esperando e não se surpreendeu ao me ver parada na porta do quarto. Foi fácil encontrar o caminho, embora a disposição dos cômodos lembrasse um labirinto. Tive aquela estranha sensação de conhecimento prévio e quase me esqueci de que era a primeira vez em que via e analisava aqueles quadros na parede e a textura da madeira no chão. Você sorriu de forma tão tranquila... Nos abraçamos e foi como se o tempo deixasse de existir. As coisas pareciam meio solitárias por lá, com uma fina camada de pó por cima dos livros, mas essa sensação logo se foi e dentro de poucos minutos a atmosfera foi tomada por nossas risadas e melodias conjuntas. Formamos um ótimo dueto e qualquer espectador teria certeza de que ensaiamos horas para soar de tal maneira. Nunca fiquei tão contente por explorar um quarto. Acabei me perdendo entre infinitas gavetas, só lembrando onde estava ao sentir o toque da sua mão em minhas costas, que a cada movimento sutil me causava um leve arrepio. É engraçado pensar que passamos um dia inteiro fazendo tanta coisa e se me perguntassem quais foram, eu não saberia listar. Acabamos imersos em nosso próprio espaço- tempo, dentro da sua cabana, da nossa sintonia. Embora eu não saiba nada sobre física, tenho certeza de que alguma teoria abstrata poderia explicar essa nossa percepção distorcida. O nascer do sol foi gradualmente se aproximando, mas eu não me sentia triste por ter que ir embora. Sei que soa estranho, afinal eu não queria ir, poderia ficar sentada pra sempre do seu lado, no chão fresco ao pé da cama. É uma questão de viver o momento, suponho, que foi exatamente o que fiz de forma tão inconsciente enquanto estive contigo. A certeza de que em poucos dias te verei de novo é suficiente para me tranquilizar, enquanto só tenho comigo uma peça de roupa roubada. Queria mais do que nunca poder ler sua mente agora, saber quais os detalhes perdidos entre tantas horas que ainda tem o poder de te distrair... Penso em todas aquelas suas inseguranças e receios, será que te fiz esquecer deles ao menos enquanto estive presente? Se serve de alento, você vem sendo uma ótima companhia, um ótimo amigo, um ótimo amor, embora estejamos evitando usar essas palavras fortes. Me despedi com um sorriso, desci as escadas, atravessei o quintal. A gente se vê, até mais.