Sobre Flores e Voltas

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Ela tinha quinze anos e meio. Nem um dia a mais, nem um dia a menos. Costumava descrever as coisas do jeito menos comum possível, então é justo descreve-la seguindo a mesma linha de raciocínio. Ela gostava de bolhas de sabão e sofás brancos, seus pés era pequenos, sua áurea radiante mas sua organização, praticamente inexistente. Costumava pendurar-se de ponta cabeça no trepa-trepa de seu prédio e tinha um jeito não muito calmo em certos momentos.
"Começou" alguns meses antes dessa data onde quinze anos e meio completavam-se desde seu nascimento. Ela partia de uma casa para outra, de um canto pra outro, de uma família pra outra. Olhando de fora nenhuma dessas afirmações faz muito sentido, mas é como eu expliquei, em seu mundo nada tinha uma lógica muito correta. Esse foi o primeiro fato marcante na linha de sua vida. Creio eu que cada um de nós temos uma linha como essa, um pedaço de arame que dá voltas e voltas, digo isso apenas para que você possa imagina-lo de forma figurativa. Pois bem, o primeiro fato foi uma descida. Fez com que tudo que era bom se transformasse em coisas ruins. Magenta em musgo, tachas em lantejoulas, cintilante em opaco, macio em áspero, ondulado e radiante em liso e sem vida, feito em desfeito, finalizado em confuso… Nada mais fazia sentido.
Eis que surge a primeira flor. Uma rosa tão vermelha quanto o sangue que pulsava em suas próprias veias. Era linda, uma nova e encantadora realidade, de portas abertas para ser explorada. Não causava nenhum tipo de dano visível à ela, que apenas esbanjava-se em rosas e mais rosas e mais rosas… Deitava, rolava, passava noites em claro e tirava delas tudo o que podia e mais um pouco. Ela amava-as tanto que não podia enxergar os arranhões que provocavam por todo seu corpo, dos cabelos que recuperavam o brilho fraco aos dedos de seus pés pequenos. Porém as rosas foram murchando… Murchando… Até perder, quase que por completo, sua essência e sua fragrância.
Quando tudo parecia monótono e acabado a linha resolveu subir novamente, para o topo, tão alto que já não se via mais o solo. Aquele era um crisântemo, tão amarelo quanto um biquíni recém-confeccionado poderia ser. Cheio de alegria, cheio de vida. Tudo o que ela precisava. Logo ela, que havia trazido do momento anterior tantas más experiências de antes das rosas… Logo ela que tinha uma expectativa tão baixa para esse novo momento… Foi logo surpreendida com mais um punhado de flores! Gérberas de um branco tão limpo quanto as nuvens do céu perfeito poderiam ser. Cultivou-as juntas, lado a lado, tomando cuidado para que não se tocassem, para que não causassem atrito. Era feliz sonhando com a distância que os crisântemos lhe passavam, a liberdade, imaginação e vontade que eles transmitiam como numa explosão. Já as gérberas brancas eram tão passionais e delicadas… Era tudo tão fácil de tocar, tão tentador pela facilidade.
Certo dia descuidou-se, e a gérbera branca, que parecia tão passiva e inofensiva, esbarrou no crisântemo que por sua vez desabou em um tombo contínuo. A gérbera estragou tudo. Mas foi escolha da garota, ela sabia, em seu interior, que tinha sido culpa dela. Acomodou-se então com a sobra passiva, que simplesmente não durou nada. Não era natural pra ela. Uma adolescente tão incomum, bagunçada e explosiva, conviver com uma flor tão delicada daquelas. Simplesmente jogou-as fora.
E é aí que chegamos no presente.Sem rosas, nem crisântemos, nem gérberas. Apenas uma menina sem flores, sem causas, sem fatos e sem emoções. Ela espera pela próxima subida, não sabe bem se este está longe ou perto, não sente sua aproximação, nem sua falta. Contentou-se com a calmaria, mas isso não a impede de cercar-se com a nostalgia e a saudade. Acho as duas companheiras saudáveis, porém não sei se a garota sabe administra-las. Espero que sim, ela não é muito de se dar bem com excessos. Concluiu que entre rosas e voltas a vida é uma infinita repetição de altos e baixos, onde não se pode fazer nada para manter-se em cima quando lá está e onde não se pode fazer nada para subir quando em baixo repousa.